domingo, 28 de novembro de 2010

A (de)formação do caráter

A formação do caráter de um povo, ou de uma determinada população, se dá através de inúmeros fatores, alguns mais salientes e evidentes, outros mais sensíveis e até imperceptíveis. No livro Raízes do Brasil, por exemplo, Sérgio Buarque de Holanda, seu autor, nos fornece uma gama de exemplos de como os modos, costumes e caráter português influenciou a formação cultural brasileira.

A partir daí, no dia-a-dia, nossa sociedade vai vestindo novas roupagens, tornando-se mais dinâmica e imediata com a tecnologia, mais liberal em alguns aspectos, enquanto em outros fica estagnada. Mas o fato é que através dessas nuances vai moldando o caráter do povo habitante destas terras.

As culturas política, esportiva, musical, dão ao cidadão e cidadã brasileiros sua cara, suas generalidades com que é visto por quem está de fora e com o que é identificado. Não é a toa que somos vistos através do samba, carnaval, futebol, alegria, etc. Um país litorâneo, com praias paradisíacas, até ontem subdesenvolvido.

Como se sabe, o futebol é o esporte mais praticado e difundido no Brasil. Chamado, inclusive, de paixão nacional. Por esdrúxulo que pareça, tem uma importante relevância na formação do caráter das pessoas. O jogo coletivo, onde sozinho não se chega a vitória, um esporte que o toque de bola entre os companheiros é essencial para chegar ao gol. O vigor, a energia que despende o atleta. A superação, a abnegação, a persistência para superar um adversário mais forte. Tudo isso que existe e é necessário no futebol existe e é necessário também na vida dos brasileiros. Assim como a levadinha com a mão sem o juiz perceber, o empurrão dentro da área no momento do escanteio, os dribles, a ginga, a malemolência.

Porém, vivemos momentos no futebol em que a derrocada da dignidade esportiva acentua-se a reboque do despudor da “prejudicação” alheia para fins meramente irônicos e invejosos ou apenas por vendeta.

Nas rodadas finais do campeonato o assunto primordial é quem entregará o jogo para quem. Quem conseguirá prejudicar o seu rival.

E o chocante são as torcidas, dedicadas, apaixonadas por seus clubes, capazes de viajar quilômetros atrás de seus clubes, torcendo contra si, para prejudicar outrem.

O gosto vicioso desta prática anti-desportiva e impune está se instalando na boca dos brasileiros. Sempre tão acostumados a torcer pela vitória, a olhar para frente, buscar o sonho... Agora pragmaticamente montando estratagemas e esquemas que impeçam o êxito de algum rival, mesmo que tenha que jogar contra o patrimônio.

Não, o torcedor não irá se satisfazer com a vitória do rival. Então que mude-se a fórmula, que volte como era antes, que se crie mecanismos impeditivos. Só não deixem este povo já tão sofrido e lutador, tão aviltado desde seu nascimento, mas mesmo assim tão criativo e perseverante entrar para o time do “torcer contra”, o time do rancor, o time que não evolui.

O brasileiro torce a favor, busca a vitória, supera. No futebol e na vida. Ou alguém acha que um não contamina o outro? O futebol e a vida. Que não tem nada de um misturado ao outro em nossa cultura? Ou alguém tem dúvidas de que a deformação de nosso futebol e dos valores esportivos não vai influir junto a tantos outros fatores contemporâneos para a deformação do nosso caráter?

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